domingo, 26 de agosto de 2007

Do outro lado

Há menos de um mês estudo Fotojornalismo, uma matéria incrível que caiu do céu. Minha primeira pauta foi “Trânsito”, aparentemente chata, mas tão reflexiva quanto as seguintes: “Invasão de área pública” e “Atividades em semáforos”.

Nós, tipicamente prosaicos, não sabemos enxergar; a gente vê, mas não reflete. Não pensa que estacionar do lado da rampa vai atrapalhar um deficiente físico, não pensa no bar que freqüenta que atrapalha os passantes ou nas pessoas incríveis que existem ali, do outro lado.

Na última atividade realizada, bati uma série de fotos de pessoas pedindo, vendendo, etc. em semáforos. Tenho umas lindas, de uma doce menina que não me recordo o nome, que não chega aos sete anos e que torço para ter um futuro melhor que o presente. Mas a experiência inesquecível que tive foi com uma senhora de 75 anos e com histórias incríveis.

O nome dela é Raimunda, a mineira que mora em Samambaia, dona de uma pele preta contrastante aos seus olhos verdes. A mulher que pedia uns trocados para comprar arroz e feijão, me deu 30 minutos a mais na vida.

Ela recusou ser fotografada. Eu sentei ao lado dela e comecei a perguntar de sua vida, não sei porquê, um instinto de ouvinte me acometeu naquele instante; e era só aquilo que a senhora, homônima da minha avó precisava, ser ouvida.

Aquela senhora me disse sobre sua operação de vesícula que não sai, mas que precisa sair para possibilitar o retorno ao seu município mineiro de origem. Falou dos seus 5 filhos, 4 mulheres e 1 bendito fruto que saiu de casa tem 12 anos e nunca mais voltou. Me mostrou a 3x4 de sua neta e relembrou que já é bisavó, de uma menina de 3 meses.

Mas o que mais me doeu foi saber dos desejos da senhora que não se acha mais bonita, que adorava dançar quando nova, então possuidora de antigas tranças até o fim das costas. A mulher forte, com casca de rugas, ganhou marcas eternas ao sair da escola e ir para roça, de segunda a sexta, para nos finais de semana lavar roupa pra fora. A linda senhora que me deu meia hora ao invés de retirá-la só queria o dom das letras, esse aqui, que me permite contar e ser ouvida sem a oralidade.

Foi sentada num meio-fio que pude ver a vida assim, do outro lado.

Um comentário:

Salve Jorge disse...

Uma tela de Raimunda
Ali do outro lado
Dessa realidade imunda
Por toda a parte
Sua escrita funda
A justiça de um relato
Não fará mais viva Raimunda
Nem menos cruel o fardo
Mas trará cor ao fundo
E fará menos imundo o mundo
Mesmo que pelo fulgaz instante de um traço...

Brilhantes, esses seus olhos, que fotografam...