sábado, 27 de outubro de 2007

Sexta-feira

“De qualquer jeito amor (...), embora não mate a sede da gente.”
Caio Fernando Abreu


Mais uma sexta-feira. Uma manhã de primavera, cheia de cigarras chatas e de sombras frias. O calor, que só se revelaria depois das onze, gritava, duas horas antes.

Lá estava eu, debaixo das pilotis plano pilotenses: sentada, lendo Caio Fernando Abreu, vendo ele falar de amor. Amor e Deus, Amor e Sexo, amor, amor...Ah! Amor...Sai dia, entra dia e não sei se posso ou devo ainda acreditar na pauta predileta dos poetas.

Passa o cara do cd pirata [é, é a democracia por outras vias sim!], passa o tio do jornal, fica o porteiro do prédio, que não se cansa de pintar a calçada de cinza. Cinza como muitos outros dias, vazios assim, como hoje, sem amor, com um livro, no máximo um samba antigo. E dessa vez com esse cheiro, de tinta me embriagando.

Mas hoje é sexta! Dia oficial de porres, de mágoas afogadas e de esperanças renovadas. A mim me resta o sábado, com ressacas colossais.

sábado, 20 de outubro de 2007

Sábado setembrino seco




Nessa terra tão seca que vivo, nessa grama amarelinha, com ipês roxos, com um solo marcado pelo fogo, o amor vai envergando, como as árvores do cerrado. São os tortuosos caminhos da paixão.

Vai entortando, entortando, até um dia que precisa se endireitar, mas o tempo não ajuda. É só seca e o coração seco. É o mato queimando e a fumaça nublando esse tempo confuso, que corre, que desliza pelas mãos e nem sequer diz adeus. O tempo deixa marcas para que ninguém o esqueça.

Até que chega setembro, com novas flores e novos amores. As cigarras, desesperadas gritam por água, como o solitário que grita por compaixão. Mas a compaixão é pesada e nem todos conseguem carregar esse peso.

Um belo dia a fumaça toma conta tudo, embaça e inspira nuvens carregadas. Chove, esfria e as cigarras gritam menos, o fogo cessa, a seca alivia, e aparentemente as pessoas amam mais.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A carne mais barata do mercado é a MINHA carne negra

Ontem, minha querida cantora Elza Soares se apresentou aqui em Brasília, no Teatro Nacional. De graça, com os devidos atrasos e com clássicos como "Se acaso você chegasse". Mas em algum momento a casa caiu, o show que estava jóia - e me pareceu tão curtinho - ficou com um certo clima de tensão.

Elza, no seu direito de cidadã, ao cantar a música A carne, de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Ulisses Cappelletti, disse que era contra as cotas, que queria era igualdade e educação. Alguns aplaudiram, outros não [eu não aplaudi]. Logo em seguida ela cantou o Rap da Felicidade e o público cantou junto, animado.

Critiquei forte na hora e me chamaram de "politicamente correta demais"; outro disse que eu "levo tudo a sério", mas acho que não entenderam a minha crítica.

A cantora pode falar o que quiser, cantar o que quiser, mas será que não soa hipócrita um público classe média, média alta, cantar no teatro [NACIONAL!] : "eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci"? Hipócrita porque alguns deles vão chegar em casa e recriminar o funk, e dizer que é coisa de preto e favelado e achar um absurdo alguém escutar e ser capaz de se entreter.

A atitude de Elza é válida no sentido de trazer o morro para qualquer lugar que não seja o morro. Mas bem...vamos entrar no outro tópico do bate-boca:

As palmas brancas contra as cotas. Novamente digo que a cantora pode achar o que quiser, mas a mídia, esse quarto poder que bota pra fu*, não tá nem aí, pode muito bem usar as palavras dela [Elza] para continuar a campanha "cotas-não". Os meios de comunicação são tão cruéis... Pois, são eles que trazem o dado que somente 6% da população é negra e são eles que se esquecem de falar sobre o problema da auto-afirmação brasileira.

Espero que a Elza continue cantando "A carne mais barata do mercado é a minha carne negra", e que os brancos, negros, na favela ou no blablá Hall, se sensibilizem, reconheçam seu racismo e a partir daí coloquem em prática a igualdade - o racismo só pode ser combatido se assumido.

"A carne mais barata do mercado é a carne negra
Que vai de graça pro presídio
E para debaixo de plástico
Que vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos"

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Osso duro de roer

Engraçado. Me perguntam hoje o que achava do filme Tropa de Elite. Disseram que até entraram no blog, esperando uma opinião minha, mas não tinha nada aqui.

Eu estou há uma eternidade pra escrever sobre o filme de José Padilha, mas o tempo e o cansaço não me permitem. Nem a boêmia tem tido espaço....

Vários cineastas xaropes disseram que Tropa incita a violência e perdeu o controle: “a obra é maior que o diretor”, li em algum lugar. Acho puro drama.

Alguns estudantes made in Universidades Públicas não gostaram da obra do mesmo diretor de Ônibus 174. Acreditam que é uma publicidade do BOPE – Batalhão de Operações Especiais – , que defendem os policiais em geral e que colocam a culpa toda no usuários. Acho que isso é discurso de usuário.

Na minha visão Tropa de Elite [que foi inspirado no livro Elite de Tropa de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel] é o nu e cru da sociedade brasileira. Triste, lastimável, mas a pura verdade.

A violência revelada pela telona é o que ocorre todo dia em vários cantos do Brasil; criticar Padilha por mostrar tão friamente a verdade é fácil demais. Lembro, que esses dias saiu uma pesquisa [procurei a fonte no Google, mas não achei] que mostra que a população mais pobre acha comum a violência policial, que ela é em partes justificada. O Brasil é uma retroalimentação: não há educação, não há saúde, não há consciência social. Logo quando chega o policial batendo, atirando, “tudo bem”, ...mas porque? No senso comum desse povo que grita, atado à pobreza, tudo é válido para obter justiça. Pior, tem gente que tem escolaridade e tudo mais e pensa do mesmo jeito. Tropa de Elite reflete a ignorância e prepotência, de raízes lusitanas de 500 anos atrás.

A construção do nosso país é baseada na corrupção, e a lição foi bem dada. Cinco séculos depois dói mostrar no cinema [programa de bacana] as conseqüências dessa desigualdade astronômica.

Parafraseando [ou copiando mesmo] o Correio Braziliense, Tropa de Elite é o saco plástico na cabeça da classe média brasileira.

domingo, 7 de outubro de 2007

Sufoco

Eu olhava nos olhos dela e via tanta paz. Aquela doçura de menina, tão menina, era só minha. Desacostumei a ter alguém envolta em meus braços.

Tão doce menina. Sorria-me branco e verdadeira. Dormia feliz, jurando que o mal não existia. Mas existia a saudade, que não morre, só se transforma.

Os longos cabelos vermelhos surgiam em minha mente. Não poderia ter de volta aquele mesmo cabelo. Cheio de cachos que enrolavam meus pensamentos. Os pretos, lisos e escorregadios me sufocavam após um tempo. Lembravam-me da mentira que levava cotidianamente.

Pensei em levantar e partir, assim que o Sol surgisse. O Sol surgiu e desejei "bom dia" aos longos cabelos pretos sufocantes.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

"Outro retrato em branco e preto...

...a maltratar meu coração."
Tom Jobim

Revia aquelas fotos. A última, em preto e branco, parecia prever o fim, doloroso, mas sutil.

Tinha me perdido de paixão até perceber que quando a dor se faz mais presente que o amor é hora de partir. O fraco é quem tem que ser forte quando o forte for fraco demais para partir.* Eu fui a fraca da vez. Outrora quando partimos fisicamente, ele foi o fraco; na verdade, ele sempre foi o fraco. Eu que resisti bravamente aqui esses anos todos, carregando sozinha esse amor capenga, de mão única. Eu sempre disse que tinha que ser mão-dupla, mas ele nunca praticou essa fé em nós dois.

A foto em preto e branco, linda, eu preta, ele branco, numa noite quente de fim de inverno, foi revelada. Só para constar como lembrança.

*Milan Kundera

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Novas regras e novos problemas

É uma decisão pior que a outra. A UnB tá mais perdida que cego em tiroteio.

O sistema de cotas mudou, as fotos foram abolidas, e em seu lugar, uma entrevista será realizada. Nota 10. Quem possui identidade negra vai ter a coragem de se expor e dizer “sim, concorro pelas cotas”. Dessa maneira, os hipócritas de plantão não terão vez. Chega de bronzeamento e penteados afros antes da prova. Chega de gente brincando com minha etnia.

A homologação das cotas só saíra depois do resultado do vestibular, e quem for reprovado na entrevista perde o vestibular, pois, não poderá concorrer no sistema universal. Nota 0. Quem garante que a banca examinadora saberá examinar tão bem assim? Quem serão os examinadores? Eles saberão o que é carregar a identidade negra sem ter cabelo crespo? Ser negro vai além dos fenótipos.

Os gêmeos, protagonistas do vexame no vestibular passado [vide post O racismo e a hipocrisia do dia 08/06/07], não passaram na UnB. Agora a mamata acabou. Eles que disseram ser contra as cotas terão que concorrer somente no universal, sem a mordomia da concorrência menor dos cotistas. Em falar em concorrência....

Os pardos e negros temem o aumento com essa história de entrevista, e assim, pensam até em concorrer no sistema universal. Aí vai tudo pro ralo, pois, a idéia era a auto-afirmação.

Lendo o jornal vi um comentário de doer: seria justo que os negros e pardos escolhessem somente um sistema, já que os brancos só possuem o universal. Justo. O que seria justo?

Meu povo por mais de 300 anos foi marcado pelo açoite e hoje luta contra forças invisíveis [o mito da miscigenação], e alguém tem o disparate de dizer que não é justo termos duas chances no vestibular. Justo seria a competição um pra um entre brancos e negros, justo seria não ter que provar o tempo todo competência, já que a cor da pele “é o eles olham, velha chaga”.

Bem, espero muito que as coisas entrem no eixo, que a UnB enfim encontre um sistema coerente e o mais importante: que o MEU POVO NEGRO ingresse no Ensino Superior e que a educação se torne colorida.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Sacudindo

"Quem pode pode, quem não pode se sacode." Eu tô aqui me sacudindo.

Esse final de semana foi o segundo e último, em que Sassaricando - E o Rio inventou a Marchinha se apresentou na cidade. O musical, com nomes de peso como Eduardo Dussek e Soraya Ravenle, deixou Brasília borbulhando.

Os ingressos evaporaram e mais uma vez eu perdi um espetáculo na Caixa Cultural. Eu não tenho tempo de ir na bilheteria em dia semana às 13h. Me disseram que é esse horário, porque eu mesma até hoje não conseguir ligar pra lá. Só dá ocupado.

Mas quem teve sorte e tempo viu o lindo espetáculo produzido pelo mestre Ségio Cabral e por Rosa Maria de Araújo, com as saudosas marchinhas de carnaval.

Eu amo marchinha. Sou nostálgica até o talo e com música não seria diferente.Apesar das politicamente incorretas como Cabeleira do Zezé e O teu cabelo não nega, eu adoro e canto todas, apesar do preconceito imbuído em algumas.

Mesmo não vendo, eu sei que esse baú musical [que é uma homenagem a João de Barro, o Braguinha, que faria 100 anos em março deste ano] abalou Bangu e Brasília.