segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Todas as dores do mundo

Quando cheguei a encontrei com o rosto deformando, de tanto chorar. Os olhos encharcados e vermelhos, com lágrimas de sangue, pediam socorro, como um náufrago em alto-mar.

A madrugada muda, acostumada a só ouvir, passou a chorar também, bem caladinha, compartilhando a dor e angústia com Ela. Não era a primeira vez, mas tinha ânsia que fosse a última. Não suportaria mais outros travesseiros encharcados.

Ela não dizia nada. Só o corpo que lentamente ia perdendo força, até cair no sono. Enquanto Ela dormia, passei a chorar também, pensando no tanto de mágoa que a pequena carregava.

Dores suas, alheias, passadas e futuras. Todas as dores do mundo estavam lá, mesmo com aquele sorriso branco, preenchido de esperança.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

poesia par(t)ida

Parte
Reparte
Pedaços
Partículas
Pequenas
Perdidas
Pelas pontas
Pela paisagem
Pela passagem
Pelo passado
Póstumo
Pelo presente
Perene
Para pensar
Partilhar
Para permanecer
Pertencer
Ou só para perder.

domingo, 23 de agosto de 2009

O mundo em livros

Uma das melhores coisas que adquiri no curso de jornalismo foi o gosto por literatura do mundo. A brasileira é fantástica, rica e diversificada como qualquer outra expressão cultural nossa, mas há certas coisas que só o outro lado pode contar. Sem vícios, hábitos e bossas, bem coisas nossas.

Começo por Xinran, autora de Enterro celestial e As boas mulheres da China. Neste último, a jornalista chinesa dribla a dor em ser mulher em um país marcado pelo silêncio com situações inusitadas, como pintar somente uma unha de vermelho ou borrar o batom de propósito. Dessa maneira, ela chamava a atenção e as pessoas puxavam assunto com ela. Ao longo das conversas, ela trazia à tona tradições cruéis, discriminação e dor que muitas mulheres sofriam e que ainda sofrem.

Ao ler as perturbações físicas e psicológicas que aquelas mulheres passavam o coração dói.

Xinran veio ao Brasil neste ano para participar da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e deixou com mais vontade de conhecê-la. Merece ser lida e ouvida.

Milan Kundera é uma das melhores heranças literárias que o leste europeu nos deixou. Milan continua vivo, mas a inspiração de algumas de suas obras já passou. O tempo de uma Europa divida já passou. Apesar de alguns preconceitos ainda serem latentes, a comunidade europeia (em outros aspectos) está mais avançada do que o Mercosul e o próprio Brasil.

O autor tcheco escreveu belas obras como Risíveis amores (1969), O livro do riso e do esquecimento (1978) e Os testamentos traídos (1993), mas, definitivamente, A insustentável leveza do ser (1983) é o seu melhor livro.

A leveza e o peso, o amor e a compaixão e outros pólos nem tão opostos assim são a força motriz do enredo. Os encontros e desencontros de Tomas, Tereza, Sabine e Franz me fizeram pensar muito sobre os relacionamentos que tive. Esse papo pode soar como auto-ajuda, mas saiba, não é não. Com cenário histórico (a Primavera de Praga), Kundera traz ficção, romance e filosofia de uma vez só. Vale a pena ler. (Ver já não me responsabilizo. Há um filme com o mesmo nome do livro. Nunca vi, mas para quem ficou interessado, a direção é de Philip Kaufman).

De uns 5 anos para cá, apareceu a moda do oriente médio. O livreiro de Cabul, Eu sou o livreiro de Cabul (a contestação do primeiro), O caçador de pipas e uma lista interminável. Talvez a fórmula tenha se esvaziado ou o mote (ações do governo Bush) tenha acabado. Mas uma coisa inegável é que a abertura das cortinas serviu para abrir os olhos. Uma outra cultura totalmente diferente da ocidental existe e deve ser respeitada. Não há certo, nem errado, só o diferente.

Agora literatura africana. Ainda muito em moda também com uma série de título que falam principalmente sobre guerra. Mas há um autor que soube falar sobre esse tema sem soar clichê ou inconveniente.

Mia Couto é um biólogo apaixonado pelas palavras. O autor de Vozes anoitecidas, O fio das missangas e O outro pé da sereia se superou em Terra sonâmbula, meu livro predileto dele.

Não me canso de ler a história do miúdo Muidinga e do velho Tuahir. A fuga da guerra por meio dos misteriosos cadernos de Kindzu traz a história e a cultura do Moçambique. E são por esses escritos de Mia que eu descobri um continente lindo, cheio de cor e vida, longe dos clichês bélicos.

Mia Couto me apresentou com um novo olhar coisas que existem há tempos. Convido todos para a mesma viagem.

sábado, 8 de agosto de 2009

Música pra pular pernambucana (MPPP)

Quero voltar a escrever mais, contudo, confesso: blog enche o saco. Por mais que as pessoas escrevam bem, elas se tornam repetitivas. Um texto bom aqui, outro ali, mas a fórmula permanece a mesma. Fato. Quero tentar fugir da minha fórmula e espero conseguir. Será uma tentativa distribuída em alguns textos com temáticas variadas: música literatura, cinema, ficção...Vamos ver no que dá. Mãos à obra!

Música (neste caso, pernambucana)

Não sou uma expert em Chico Science, Nação Zumbi, Mundolivre S/A, mas sei que eles são expoentes do movimento Mangue Beat* que influenciou gerações de todos os cantos do país. Assim, é impossível falar de música sem citar a tendência que nasceu (e morreu?) na década de 1990. Eu particularmente não creio que ele esteja morto. Está vivíssimo e se reproduz involuntariamente em cada nova banda pernambucana que surge.

E esses grupos estão conquistando o país, e claro, Brasília. Outro dia escrevi um texto sobre a Orquestra Contemporânea de Olinda que ganhou o título de Brasília, nação pernambucana (valeu Yale!). Melhor impossível, já que a cada dia que passa o quadradinho no meio de Góais ganha novas cores, formas e parece ganhar um novo sotaque.

Orquestra Contemporânea de Olinda, Mombojó, China, banda Eddie, Cordel do Fogo Encantado, e outros tantos. Eles chegaram aqui até desconhecidos, como a Catarina Dee Jah, mas ganham o público com os acrodes bem elaborados e claro, com a batida única criada por Science.

Por exemplo? Mombojó. Os meninos de classe média era sete, hoje são cinco, mas continuam produzindo um som facilmente classificável de world music. Música do mundo? Não... Música do mundo é muita coisa. Não que não sejam muito, mas vão além, são específicos.

Escuto o quinteto e reconheço facilmente Los Hermanos, Tom Jobim, Nação...Rock? Sim. Bossa nova? Sim. Surf music ? Sim, Mombojó é um caldeirão de influências que reflete o clichê da globalização do século 21. A mistura deu certo, não há como negar.

Outra mescla bem sucedida é a Orquestra Contemporânea de Olinda que juntou a nova e a velha guarda do cenário musical olindense para fazer o melhor. Comparados ao grupo cubano Buena Vista Social Club, a big band brasileira (são 10 integrantes!) resgata músicos pernambucanos e dá visibilidade a eles. Canto da sereia é de Osvaldo Nunes, famoso na década de 1960, 1970.

Voltando um pouquinho ao Mombojó. Os quatro integrantes da banda, junto com o China (outro cantor muito bom lá da terrinha) criaram uma banda chamada Del Rey. O nome faz homenagem ao rei Roberto Carlos. Genial. Até em cover os caras são bons. Neste ano de comemoração de meio século (só de carreira) de RC é uma boa conhecer o trabalho do cantor de Cachoeiro de Itapemirim com um sotaque diferente. Será uma surpresa para o pessoal que acha que RC só tem música dor de cotovelo.

Para completar a lista tem Bonsucesso Samba Clube, Mestre Ambrósio (que tinha Siba na sua formação, quem criou outra banda superbacana: Siba e a Fuloresta), Academia da Berlinda, Buguinha Dub, enfim, muita gente fazendo somdubom. Seja com samba, com rock, maracatu, guitarras, pífanos e rabecas.

Tudo isso mostra parte da produção diversificada feita no estado.

O baile não pode parar, como diriam lá.


*Manguebeat (também grafado como manguebit ou mangue beat) é um movimento musical que surgiu no Brasil na década de 90 em Recife que mistura ritmos regionais com rock, hip hop, maracatu e música eletrônica. (fonte wikipédia)

terça-feira, 28 de julho de 2009

Do parto eu parti

Partida em pedaços, me procuro e não me acho. Tô espalhada por caí em cacos, tentando achar meu espaço. O futuro chegou e com ele um frio na barriga. Muita coisa deu certo até agora e depois? Os ares continuarão fluindo?

Parto para um novo ponto. Em breve, não agora. Os passos....Ah o caminho. É ele que conta e não o destino, diria Mia, minha eterna inspiração. Ele e outros tantos são partes desses pedaços espalhados por aí. Peças do quebra-cabeça da vida.

Eu sonhei muito e cheguei a ter um tempo da utopia. Naquele momento eu jurava que mudaria o mundo. Era e eu mais nove. Éramos os dez mais. Hoje...não sei o que somos. Somos dez em cantos distintos. No mar, no sertão. No ar, com os pés fincados no chão. Nossos desejos se transformaram da mesma maneira que nossos rostos, nossa trilha e nossa esperança.

Ainda acho que posso mudar, tenho aspirações que podem ser possíveis com garra e fé. O mundo real está de portas abertas e com um outdoor na porta dizendo “entre e seja bem-vindo”.

Vou nascer de novo, com o mesmo corpo, mas com olhos e coração mais atentos. Em busca de luzes e sons mais doces capazes de tirar toda a angústia de ver o futuro bem aí e não saber o que fazer com ele.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Histórias do asfalto

O asfalto de Brasília conta histórias. A primeira delas é o descaso da política na cidade. O descaso dos políticos, reitero. Vivo em um local em que os pobres votam errado pela esperança e os ricos pela pilantragem. Me entristeço, me revolto.

A raiva vem com mais força quando me sinto em alto-mar em pleno Eixo Sul. Pista remendada, sobre e desce, quando não os buracos, capazes de engolir um carro sem grandes esforços.

Carros. Eles são as pernas do brasiliense. A bicicleta não aguenta o tranco. Os pés não suportam os quilômetros. O asfalto é o leva e traz, é a aorta de Brasília.

Outro dia, aqui, do lado de casa, vi sangue no chão. Vi porque sabia do acidente noticiado no jornal. Era uma senhora que ia na farmácia. Não chegou lá. Ela, a mulher com o corpo estirado que fez o Eixão parar e outros tantos narram os atropelamentos do dia a dia. O sangue - para lembrar o cuidado e atenção dobrada - some com o tempo, com a chuva ou se perde pelos pneus dos veículos. A história desaparece e só fica gravada no coração daqueles que perderam um pedaço, irreparável.

Uns, mais insistentes, picham o chão, como está a pista na direção norte-sul, na altura da 712 Sul. Um menino de 16 anos não chegou ao colégio. A revolta da perda fez com que um protesto silencioso registrasse a dor em grafite. Está lá, é só parar e ver.

E eis porque não vemos: não paramos. Na verdade, nem precisa parar, é só passar com cuidado pelas ruas frias e vazias e ver, no asfalto, prostitutas, meninos de rua e outros à margem. Existe um rio de piche que vai e vem, mas tome cuidado, para não morrer afogado.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Samba, a gente não perde o prazer de cantar...

"Eu canto samba porque só assim me sinto contente. Eu vou ao samba porque longe dele não posso viver". Quando Paulinho da Viola escreveu essa música ele sabia o que dizia. Vão dizer que o samba acabou, mas só quando o dia clareou.

O samba é um negócio inexplicável e não é à toa que tem forte relação com a religião. Dizem alguns que o samba era uma maneira de chamar as entidades, e não duvido. Quando o couro do pandeiro come, a cuíca geme e o cavaquinho malandro toca, ahhhh, o samba. Ele toma conta do corpo. Samba, o dono do corpo, escreveu Muniz Sodré. Ele também sabia das coisas.

Muita gente sabe muita coisa, mas o que eu sei é sobre o sentimento que o gênero carrega. Não sei. Rio loucamente quando o som vai alto, penetra nas entranhas e me sacode... E choro quando ele suavemente acaricia meu rosto, trazendo lembranças e melancolias que, muitas vezes, insiste em existir.

Gosto do samba apesar de às vezes achar que ele se perde. Perde na cerveja em excesso, no papo em demasia, na saudade desenfreada. Gosto dele assim, nu e cru, do jeitinho que veio ao mundo.

Prefiro em doses cavalares: noites e noites ouvindo do melhor, relembrando o futuro que não chegou e esquecendo o passado póstumo. Contudo, não me importo que venha em conta-gotas, o importante é que venha e preencha, em partes, a dor do amor – mote para outras tantas letras recitadas em noites de luar.