quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Vocês que fazem parte dessa massa...

Na noite de 16 de setembro de 2007, chegam os vários. São homens, mulheres, jovens e idosos, todos com a marca do campo no corpo: a enxada cria calos nas mãos e queimaduras na pele. O amor a terra fez com que eles estivessem lá, no Instituto Nacional de Reforma Agrária, no calor típico de quase primavera, na secura mais típica ainda do cerrado.

A greve dos servidores do INCRA só atrapalha a ida à capital federal. Tudo fica parado e a invasão do prédio se torna incoerente. Os militantes do Movimento Sem-Terra se misturam aos funcionários públicos grevistas que tiveram seus pontos cortados. O governo atual, que é esquerda e representa os trabalhadores, andou esquecendo os seus companheiros.

Converso com um homem de blusa preta, sapato lustroso e ouro nos dentes e no pulso [herança do garimpo]; parece ser líder de uns dos acampamentos. Se mostra mais esclarecido e político do que os outros, e me conta que já deu palestras na Europa e na América do Norte.

O homem com traços do Norte me conta sobre sua esperança: quer ter uma terra melhor, sem seca ou cascalho e quer viver em paz, ao lado da sua mãe que ficou lá longe do Planalto Central.

Pergunto sobre a mídia. Ele diz que atrapalhamos muito o movimento, não todos dos meios de comunicação, mas alguns. A mídia acaba causando tumulto e confusão em situações que deveriam ser pacíficas. Admito um olhar burguês sobre o MST, da mesma maneira que admito meu novo olhar admirado: são gente com tanta fé, com tanta luta, mas nem todos também.

Lembro de uns dos líderes, de família boa, latifundiária lá do Nordeste. Minhas críticas sobre o movimento eram justamente nessa tecla: quem já tem terra e fica querendo mais e quem não tem, se ferra mais. Tem um montão de gente cansada de se ferrar.

Peço para bater umas fotos e homem me leva a alguns amigos dele. Bato uma foto aqui, outra ali, e de repente, as pessoas começam a se revelar, de pouco em pouco na minha máquina. O menino do picolé, o outro almoçando; as irmãs com o olhar cansado [não mais triste]; a senhora simples, com poucos dentes e com muita simpatia. Tem um bebê dormindo naquele sol quente de 11 horas; é a minha última foto. Lembro do Zé Ramalho dizendo “Vocês que fazem parte dessa massa”, e passo a acreditar que eles são muito mais brasileiros que a gente [classe média, intelectuatoíde, brasiliense].

5 comentários:

Daniel Mello disse...

Mais brasileiros do que a gente?
Acho que não...Eles apenas vivem em um Brasil diferente, que nós observamos do alto de nossos apartamentos, respirando ar condicionado. Ou pela televisão enquanto não achamos um filme na revista da TV a cabo.
Não se culpe por sua visão ser burguesa, nós somos burgueses. O suficiente para achar que o governo do PT é de esquerda. Só porque agora se decidiu que os pobres não mais devem morrer de fome. Porém, Lula, há muito, já não é mais esquerda o suficiente para dar dignidade aos despossuídos ou para ameaçar as elites senis, que vivem em outro país, mas ainda são donas desse daqui.

Marjorie Chaves disse...

Bom, como já havia lhe dito, o MST pra mim é um movimento ambíguo, talvez justamente por este carnaval que a mídia faz sobre ele, colocando sua idoneidade em dúvida. De qualquer forma, imagino que no seu caso, estando assim tão perto, podendo conversar com esta gente de mãos calejadas, trouxe um novo ponto de vista menos político e mais humanitário [sem querer ser hipócrita] da coisa.

Muito bem!

Beijos

Salve Jorge disse...

"É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem te comer.."

Não sei deles
Nem da mídia
Ou da burguesia
Ou dos latifundiários
Sei que existem lutas a ser travadas
E sempre me admiro dos que lutam
Pelo que for
Do modo que podem
Existir é sempre uma batalha
Uma constante batalha
E a única justiça do mundo
É não haver justiça alguma

"Lá fora faz um tempo confortável, a vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia, os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada a única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada e passam a contar o que sobrou..."

Longe de saber se eles (quantos eles hão de haver..) estão certos ou errados
Acredito, como tantos deles devem acreditar, que parados não irão chegar em nenhum lugar...

Anônimo disse...

Terra e corpo rachado.
Não... Brasileiros como os contos, brasileiros como a mnaioria. Devemos pensar numa unidade por conta de cores verde e amarelas? Creio que não.
Gente sofrida que se apega a fé para seguir adiante, seja em líderes ou Deus.
Povo que acredita no que não sabe ler na bandeira. Há de existir progressoa e Lei.

Excelente texto!

Anônimo disse...

e ae minha Linda! como vai? Vim elogiar o texto. Eles são sim mais brasileiros que nós porque estes são os que representam de verdadeira face do Brasil. São estes que estiveram aqui em baixo do prédio do Incra por 5 dias, reinvidicando o q lhes é de direito certamente, apesar das aberrações, existentes em todos os movimentos sociais. Sao estes, os marcados socialmente por terem os traços dos primeiros habitantes do que se entende do Brasil, e traços daqueles que foram obrigados a vir da Africa pra cá , trabalhar de graça para os antecendentes desses que estão no ar condicionado, mudando o canal da tv a cabo...
Lula se lembra deles muito mais do que qualquer outro que já colocou a faixa verde e amarela no peito.