terça-feira, 11 de setembro de 2007

Talento imortal [ou Personagem da Semana]

"Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de 'ilustre', de 'insigne', de 'formidável', qualquer borra-botas."
Nelson Rodrigues



À sombras das chuteiras imortais – crônicas de futebol. Autor: Nelson Rodrigues. Anotado?

Se for a 4ª reimpressão é um livro verde, com uma faixa vermelha na capa. São quase 200 páginas da maestria do mesmo autor de Vestido de Noiva.

São 70 crônicas selecionadas pelo ícone lítero-musical Ruy Castro. Afinal, nem só de Bossa-Nova vivem os autores.Pois bem, das 70, 31 foram publicadas originalmente na revista Manchete. Li justamente essas e desconfio que são as melhores do livro.

Flamengo Sessentão abre o livro e faz parte das 20 temáticas rubro-negras da obra. Citações como essas arrepiam qualquer flamenguista atual, fervoroso, em busca de zonas menos baixas :

“Para o Flamengo a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: - quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável.” [Manchete Esportiva, 26/11/1955]

É de chorar.

Outras como essas, revelam um pouco do brasileiro, tão sempre bem descrito:

“Ora, nenhum brasileiro consegue ser nada, no futebol ou fora dele, sem a sua medalhinha de pescoço, sem os seus santos, as suas promessas e, numa palavra, sem o seu Deus pessoal e intransferível." [Manchete Esportiva, 4/1/1958]

"O brasileiro gosta muito de ignorar as próprias virtudes e exaltar as próprias deficiências, numa inversão do chamado ufanismo. Sim, amigos - somos uns narcisos às avessas, que cospem na própria imagem" [Manchete Esportiva, 26/1/1957]

Mas fecho meus comentários de hoje com a primeira cônica em que Nelson chamou Pelé de Rei:

“Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etípoe. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis.” [Manchete Esportiva, 8/3/1958]

No mínimo irônico, por assim dizer. Esse rei, metafísico em campo, ficou pra trás, deixando lugar prum rei da não-consciência negra, ícone do misticismo da ausência de preconceito racial no Brasil.

Algumas coisas mudam, outras não. O talento de Nelson Rodrigues é para sempre.

4 comentários:

Anônimo disse...

oi Maíra! Eu li umas crônicas desse livro que você emprestou pro Jatoba que me emprestou durante algumas aulas de sociologia do esporte no semestre passado. É sensacional mesmo (e olha que eu não sou nenhum rodriguista, não gosto da pessoa dele, não gosto das peças, só gosto das crônicas de futebol e de algumas frases polêmicas e fanfarronas).
E achei também que a sua crítica ficou elegante e direta - que é como as críticas devem ser.
Sobre o Pelé: dizem que jogou direitinho, mas futebol é mais que a boa execução de dois ou três fundamentos, se o sujeito desempenhar direitinho a parte do esporte, chutar, cabecear, ter um bom cabeceio, fazer bons passes e coisa e tal mas se não tiver caráter e honra, esse cara é um bom esportista, não um bom jogador de futebol. O Pelé foi, dizem, um bom esportista.
Além do silêncio militante pró-segregação em relação à causa racial e étnica (em oposição ao discurso dos jogadores da mestiça seleção francesa de 98, bem exemplificado quando o Zidane diz "eu sou francês. meu pai é argelino. eu tenho orgulho de ser francês. e orgulho de ser filho de argelino") temos também as relações boas demais com a ditadura militar (ao contrário do Cruyff, que não jogou a copa de 78 na Argentina por ser contra a ditadura vigente no país) e a desgraça maior que foi ter transformado o futebol num negócio bilionário onde os jogadores são produto e acionistas do esquema.
Enfim, o Nelson, se fosse vivo pra ver o Maradona, pediria que esquecessem o que escreveu sobre o Pelé.
Espero que vc continue fazendo o único jornalismo - além do da revista Piauí - que eu vejo com bons olhos! :)

Anônimo disse...

Falar de Nelson é tão fácil que chega a dar pena.
Divido a humanidade em duas partes, as que gostam de Nelson e as que não vale a pena sentar para dividir uma cerveja no bar.
Sem erro. É batata!

Marjorie Chaves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marjorie Chaves disse...

Bom, acho que eu não sentaria num bar com o seu colega Eduardo Ferreira...

Acho Nelson Rodrigues um completo misógino, com uma e outra frase repetida por alguns machos.

Bom fim de semana.

Beijos