sábado, 1 de março de 2008

Ciclos da vida

Não é comum chegar em casa e ver um caixão saindo do seu prédio. Eu nunca fui a um enterro e detesto essas coisas: as pessoas morrem e pronto. É um sábio aquele que pede pra ser cremado, porque poupa os parentes de fazer o fúnebre ritual de todo dia 2 novembro.

Minha vizinha do primeiro andar morreu, e creio que foi melhor assim. A senhora de cabeça branquinha e de olhos já estáticos, há tempos estava em uma cadeira de rodas, e não andava, não falava, não ria, não chorava. Em suma, a vida não existia mais. Seu marido não pôde ir ao enterro, pois, sua pressão chegou a 21, e ele não podia sair do hospital.

Quando a morte chega pra alguém próximo fazemos um balanço da nossa vida e dá um frio na barriga, pelo medo de não dar tempo de fazer tudo o que queremos. Será que o futuro vai ser tão bom como sonhamos?

Futuro é tudo que a Flor tem pela frente. A Flor é a minha primeira “sobrinha” e um bebê de apenas 15 dias. É sobrinha entre aspas porque não tenho irmãos; ela é filha de um grande amigo meu, quase irmão, assim, me sinto à vontade para criar vínculos familiares.

De vez em quando penso “e se eu voltasse ao tempo”, mas o tempo não volta e sou uma privilegiada por não me arrepender de nada. Quantas pessoas remoem tantos passados senis... O tempo é um presente perfeito e cada acontecimento é fruto de um destino já traçado, chamado de “karma” pelos indianos. O acaso não existe.

Idas e vindas mudam o trajeto da vida de um monte de gente. A morte da dona Célis vai deixar 3 pessoas desempregadas e um apartamento vazio. As meninas que cuidavam dela perderam o emprego e a companhia, e o seu Petrônio, o viúvo, vai morar com a filha mais velha. Os móveis já saíram da casa, assim como as meninas.

A chegada da Flor uniu famílias, amigos e fez com que os pais dela mudassem de cidade. A pequena aquariana vai morar no meio do mato de uma cidadezinha de Goiás, e pai e mãe nunca mais serão os baladeiros que eram.

As mudanças todas, os desvios de percursos, tudo, faz parte da mágica de viver. Primeiro, é a estréia, depois, várias novelas com capítulos emocionantes e por último a despedida, que faz muito espectador chorar. A vida é uma história real, escrita à caneta.

É por essas e por outras que todo dia deve ser um presente e cada erro e acerto uma marca para se gravar na pele; pois os ciclos da vida são esses mesmo, a gente nasce, reproduz e morre. A chance que temos é fazer dessa emoção de viver a mais incrível possível. Não tenho dúvidas que foi linda a história da senhora de cabelos de nuvens, da mesma maneira que acredito que será um lindo espetáculo a vida da minha pequena Florzinha. A saudade hoje tem nome de dona Célis e a esperança tem nome de Flor.

4 comentários:

Eduardo Ferreira disse...

Gostaria de dizer que mexeu comigo, talvez pela nostalgia da semana do aniversário, mas mexeu pela suavidade de retratar início e fim.
Mesmo acreditando piamente que memórias não morrem jamais.
Imortalizou a senhora de cabelos brancos em tuas linhas Mah, certamente com mais dignidade e zelo do que o obtuário dos jornais.
Lindo

Salve Jorge disse...

A morte não se deve temer
Ela me parece uma moça simpática
De cabelos negros desgrenhados
Fazendo o serviço dela
Que faz parte afinal de contas
A gente de dar a vez a quem está chegando
E a vida uma hora cansa
Fica mais onerosa que prazerosa
Os prazeres vão ficando efêmeros
As dores longas...
Então a morte faz parte
Vem com o pacote
"Mal a gente nasce, começa a morrer", já dizia o Vinícius
Como o Raul eu só espero que ela se vista com a melhor roupa quando vier me buscar e que deixe eu terminar aquele copo de uísque...
É batido, mas triste não é morrer, triste é não viver.. e triste é perder, pois quem perde com a morte somos nós.. eles descansam...

Marjorie Chaves disse...

Em definitivo, não sei opnar sobre morte... Só sei que fica aquela dor interminável quando é alguém que amamos. Sei que dói menos quando é um conhecido apenas, um pouco próximo. Sei que doeu mais perder meu cachorro companheiro de quase 15 anos do que um motoqueiro desconhecido morto em algum acidente [a dor é relativa]. Sei que acharia mais justo que meus órgãos fossem doados à quem precisa do que ser enterrados comigo. O que farei com eles depois de morta? Enfim... quando morrer, quero na minha lápide: "Aqui jaz uma garota fulgás"

Beijos.

Marjorie Chaves disse...

Jorge sempre se supera. Impressionante!