sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Cegueira cor-de-rosa

Essa semana assisti Ensaio Sobre a Cegueira. O melhor filme dos últimos tempos, mesmo com críticas estapafúrdias, como a de um crítico britânico que chamou a obra de Meireles de “deprimente”. Saca nada esse cara.

Fernando Meireles se superou. Para quem não sabe, ele é o mesmo diretor de Cidade de Deus - pra mim, melhor filme da retomada cinematográfica brasileira.

Ensaio Sobre a Cegueira é baseado no livro homônimo de José Saramago (jornalista e poeta português, vencedor do Prêmio Nobel), que conta a história de uma cidade que é tomada por uma cegueira branca e os “contaminados” são deixados em um lugar à parte, jogados à própria sorte.

A partir daí os instintos humanos se sobressaem. O melhor e o pior. Solidariedade e crueldade. Respeito e violação. Para quem não viu corra ao cinema mais próximo. A única certeza é a inquietação após a película.

E Brasília também está sendo tomada por uma cegueira, só que cor-de-rosa. Nessa semana, o jornal Correio Braziliense escancarou o que a gente tá cansado de ver pelas madrugadas, por ali, nas redondezas do Hotel Nacional.

Meninas fazem sexo oral por R$ 3 e meninos são espancados, além de violados sexualmente. Todo mundo sabe que isso existe, mas parece que ler os detalhes dói mais. Ouvir deve ser pior ainda.

Mas essa cegueira não é exclusiva da capital federal. É uma epidemia espalhada pelo país todo.

Quando eu tinha uns 13, 14 anos, estava em alguma praia do nordeste. Conheci uma menina que devia ter a minha idade e conversamos bastante entre uma onda e outra. Ela era de lá e visualmente dava pra perceber que suas condições financeiras não eram das melhores.

Passado um tempo um homem branco, feio e barrigudo se aproximou. Com uma cara maliciosa ele começou a conversar com a menina que dava trela pro papo furado dele. Ela sumiu em questões de minutos. Ele também.

Depois das matérias do Correio um monte de político disse que vai fazer isso, o governo aquilo, mas eu quero só ver até quando vão durar essas mudanças. Já já a cegueira cor-de-rosa volta e tudo fica por isso mesmo.

E quando ela voltar o que faremos? Assim como no filme precisamos de alguém que nos guie. E sem dúvida, os únicos imunes a cegueira serão esses meninos e meninas que sofrem na pele a dor do descaso.

5 comentários:

Ataide Jr. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Revisão: Ataide

Daniel Mello disse...

Na verdade os institos humanos não afloram com a cegueira. A cegueira é uma metáfora da visão de mundo das nossas sociedades.
Quando as mulheres trocam favores sexuais por comida, a situação dos cegos do primeiro pavilhão é análoga a dessas meninas da rodoviária.
Os poderosos vetam o acesso dos mais fracos ao básico e por isso fazem deles o que querem.
Mas durante o filme, enquanto os fracos são oprimidos e humilhados, só um pensamento passava na minha cabeça: Quando que eles terão coragem para se rebelar? Acho que a passividade do fraco é o alimento da iniquidade do forte.

Salve Jorge disse...

Ensaio sobre a cegueira
Que não é a primeira
Nem a derradeira
Muito menos passageira
Na verdade mais verdadeira
È tão regular quanto fazer feira
Para alguns mais uma besteira
Para outros a beira
Do precipício...

Eduardo Ferreira disse...

muito bem dito, estou lendo em diversos lugares o mesmo tema e a visão cor-de-rosa foi uma das melhores.

de arrepiar o descaso solto ao não encarar como crianças os abandonados.

bom mesmo!