terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Porta

Era uma vez eu. Eu na frente de uma porta sem número, com aparência de velha. A anciã passagem, que já tinha presenciado inúmeras despedidas nossas, agora, mais uma vez, via uma cena que poucos seriam cúmplices.

Era eu lá. Receosa, medrosa, sem paciência. Eu tinha ido mais para dizer que tinha feito minha parte do que por qualquer outro motivo. Era para me despedir, dizer boa viagem e só.

Esperei um vizinho abrir a portaria, já que não ia berrar à espera de alguém que aparecesse. Algum solidário (e solitário) morador surgiria. Sim, claro.

Com o coração na boca e com as mãos suadas bati três vezes na porta. Havia marcas de dedos de pó de tinta. “O apartamento seria pintado”, lembrei. E justo, o cheiro de tinta gritava.

Ela gritava e eu muda. Torcendo para que ninguém aparecesse. Para que despedidas? Lágrimas, apelos e mentiras? Não vê-lo seria o melhor a acontecer.

E foi.

Descendo as escadas, que foram cúmplices de mãos dadas e de pés ansiosos, fui aliviando a necessidade da obrigação. Dizer “boa viagem”, “volta logo”, “você foi importante pra mim” não seria mais necessário. Foi uma daquelas partidas típicas da minha vida: silenciosa, lenta e subjetiva.

2 comentários:

Eduardo Ferreira disse...

ah neguinha... lendo mentes é covardia.

saudades dessas crônicas.

nos vemos no samba, por Dios!

Salve Jorge disse...

Uma porta
Comporta
O que entorta
E a aorta
Sem número
Ante o esmero
Receosa, medrosa, sem paciência
Clemência
Que ao bater
Há de haver mais compaixão
Alguma ajuda
Pressa vontade muda
Presa ao arpão
Silenciosa, lenta e subjetiva
Peito que se criva
Que tenta
Tão afeito
Mesmo sem jeito
Aporta
Em cais sem aceito...